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                                                                                               A Arte é Tudo

                                                                                 Ação, Interação, Libertação... 


                A arte é tudo porque só ela tem a duração- é tudo, o resto é nada! As sociedades, os impérios são varridos da terra, com os seus costumes, as suas glórias, as suas riquezas: e se não passam da memória fugitiva dos homens, se ainda para eles se voltam piedosamente as curiosidades, é porque deles ficou algum vestígio de Arte, a coluna tombada dum palácio, ou quatro versos num pergaminho. As Religiões só sobrevivem pela arte, só ela torna os deuses verdadeiramente imortais - dando-lhes forma. A divindade só fica absolutamente divina - quando um cinzel de génio a fixa em mármore; inspira então o grande culto intelectual, que é o único desinteressado e o único consciente; já nada tem a sofrer do livre exame: entra na serena região dos Incontestáveis e só então deixa de ter ateus. O mais austero católico é ainda pagão, como se era em Cítera, diante da Vénus de Milo. 

               A arte é tudo - tudo o resto é nada. Só um livro é capaz de fazer a eternidade de um povo. Leónidas ou Péricles não bastariam para que a velha Grécia ainda vivesse, nova e radiosa, nos nossos espíritos: foi-lhe preciso ter Aristófanes e Ésquilo. Tudo é efémero e oco nas sociedades - sobretudo o que nelas mais nos deslumbra. Podes-me tu dizer quem foram no tempo de Shakespeare os grandes banqueiros e as formosas mulheres? Onde estão os sacos de ouro deles, e o rolar do seu luxo? Onde estão os claros olhos delas? Onde estão as rosas de Iorque que floriam então? Mas Shakespeare está realmente tão vivo como quando, no estreito tablado do Globe, ele dependurava a lanterna que devia ser a lua, triste e amorosamente invocada, alumiando o Jardim dos Capuletos. Está vivo duma vida melhor, porque o seu Espírito fulge com um sereno e contínuo esplendor, sem que o perturbem mais as humilhantes misérias da carne!                                                                         

                                                             *Eça de Queirós, in 'Notas Contemporâneas' 

 

O que é arte?

 

Essa é uma pergunta tão antiga quanto a sensibilidade humana. Desde que o primeiro homem, com sua inteligência primal, observou uma árvore e percebeu nela algo mais do que um tronco que sustenta folhas e faz sombra a luz do sol, a humanidade vem se questionando o que vem a ser esse “algo mais”. Por onde ele entrou? O que exatamente provoca em nós? Qual é sua função?

A arte sensibiliza… Não se vê com os olhos, não se ouve com os ouvidos, nem é sentida por qualquer outro sentido corpóreo. A arte é uma das forças universais. Imaterial, invisível, eterna. É a força que desperta o homem para o mundo espiritual, pois é tão somente com nosso espírito que vemos a arte.

Kandinsky em seu belo estudo sobre a essência espiritual da arte: “A alma (espírito) é um piano de inúmeras teclas.” O homem sensível, ao deparar-se com a arte da criação, é manuseado pelas sublimes mãos do Pai, e transborda de regogizo com a sinfonia da vida, com a sublime canção universal.

Sim, essa é a derradeira e fundamental função da arte. Mas como é difícil aos homens percebê-la!

Desde a antiguidade nas cavernas, a arte já nasceu comprometida a ter uma função prática e material: a pintura e a escultura serviam para ilustrar o mundo, a música para as festas, a arquitetura para construção, a dança para as paixões, a literatura para contar histórias e registrar os fatos, a poesia para registrar os sentimentos… Isso para citar as faculdades intimamente ligadas a arte (depois eu explico).

Porém, em realidade, a arte verdadeira, a arte em si, pura e simples, sempre influenciou toda criação material. E sempre soprou ao coração dos homens: “Eu estou em você, mas você não está em mim. Você não me cria, mas eu estou naquilo que você pode criar. E quanto mais sensível e sincero você for ao criar, mas de mim poderá aproveitar… E tão mais sublime será tua criação.”

Aonde acaba a função material da arte, inicia sua verdadeira função: a de tocar as teclas do espírito. Onde acaba a imitação do mundo material, inicia a imitação do mundo espiritual. Onde acaba a natureza exterior, inicia a natureza interior. Onde acaba a razão, inicia a sensação.

A arte é o universal sem conceito
A arte não é racional, não tem um processo determinado nem uma finalidade a ser alcançada. Como disse o filósofo alemão, Immanuel Kant: “A arte é o universal sem conceito.” Sim, ver a arte é sentir despreocupadamente a enorme força que criou e sustenta toda existência… Felizes aqueles que, de tempos em tempos, esquecem um pouco do tempo e da dura caminhada para sentar e observar o mundo. Pois esses estarão verdadeiramente descansando, e quanta energia estarão ganhando para continuarem firmes e fortes na vida! Estarão em contato com o amor da criação, o amor que está em tudo e a tudo movimenta. A força que move o mundo e que, quando percebida, sensibiliza o coração e reabastece o espírito. Bem-aventurados os que vivem assim, pois esses vivem com arte.

Cabe aos artistas buscar pela arte, buscar pela sua tão amada fonte de inspiração. Mas poucos se deram conta que a arte está em tudo, é a arte que escolhe o artista, e não o artista que escolhe ser artista! A arte de cada artista deve brotar de seu coração, do seu interior. Cabe ao artista sugar tudo o que vê do mundo, e estudar as coisas dentro de si mesmo, para então, só então, dar a sua visão e passar a sua mensagem… Nem todos passam boas mensagens, mas só os que são sinceros quanto a seus sentimentos podem sensibilizar.

Quanto maior a sensibilidade do artista, menos borrada estará sua visão do mundo, e maior será seu contato com a arte em si. Pois a arte está em tudo: feliz o artista que percebe que a água serve para muito mais do que aliviar a sede, o vento para muito mais do que agitar as copas das árvores, o trovão para muito mais do que assustar as crianças, o pássaro para muito mais do que nos causar inveja, o céu estrelado para muito mais do que nos orientar na escuridão, a mão para muito mais do que segurar um pincel ou tocar um violão, a mente para muito mais do que efetuar contas matemáticas, e o espírito para muito, muito mais do que podemos imaginar…

A maior emoção do artista não é a fama, o reconhecimento ou a riqueza. Podemos citar diversos gênios da história da arte que passaram sua vida em completa miséria material. Sim, mas esses eram muito, muito ricos espiritualmente… Pois o verdadeiro artista ama loucamente a arte, não pode parar de praticá-la, não vive sem ela, não a troca por nada. Esses são os artistas, homens seduzidos eternamente pela sublime beleza da canção da vida.

a arte está no mundo, e são artistas todos os que vivem com arte
E porque só os pintores, músicos, escritores e profissionais do gênero são considerados artistas? Se a arte está no mundo, e são artistas todos os que vivem com arte, porque o cozinheiro, que cozinha com amor, e se delicia quando agrada a gregos e troianos com seu tempero, não seria artista? Porque o médico, que por amar demais ao próximo dedica sua vida a cura do sofrimento alheio, não seria artista? Porque o oficial do exército, que daria a vida para defender sua pátria contra a injustiça e a guerra, não seria artista? Porque o motorista de ônibus, que zela com sua perícia para que todos os seus passageiros tenham uma viagem tranquila, não seria artista? Porque o jogador de futebol, que dá o sangue e o suor pela competição justa, não seria artista? Porque o lixeiro, que não se importa com o odor nem com a calúnia para poder servir a cidade, não seria artista?

Como falou o filósofo grego Sócrates: “Justo é o homem que é útil ao estado e desempenha bem sua função.” Esse é o verdadeiro artista, aquele que se contenta com o que é e está desperto para o lado verdadeiro da vida. Que antes de ser artista, observou a arte. Que antes de criar para os outros, criou para si mesmo. Que ao invés de julgar o mundo, tentou descobrir sua beleza. E descobriu que a arte tem sim uma função, e uma função vital: a de educar o espírito para a verdade e tudo de maravilhoso que provêm dela…

E se em todos os seres há um espelho que reflete a luz da criação, no verdadeiro artista esse espelho só poderá ser mais limpo, mais brilhante e mais sublime.

***

Esse texto é um dos capítulos do meu livro "Do Universo ao Universal" (1998), como nessa época ainda cursava Belas Artes na UFRJ, estava particularmente envolvido com o tema.

 

Fonte do site:    http://textosparareflexao.blogspot.com/2011/06/arte.html

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